«Chama-se assim este Chafariz, por ficar dentro das portas da antiga muralha de Lisboa Oriental; que todos os mays ficam da banda de fora, e tão vizinhos huns dos outros, que em pouco differem as suas agoas (…)» Assim começa o pequeno texto que Sérgio Velloso d’Andrade dedica ao Chafariz de Dentro. Apesar de menos conhecido do que o célebre Chafariz d’El-Rei é este também um dos mais antigos de Lisboa, tendo sido primeiramente conhecido por Chafariz dos Cavalos.
Tal designação, por mais de uma vez se tem prestado a confusões, pois um outro, com o mesmo nome, teve também a sua importância na história da cidade. Foi e continua a ser frequente a confusão entre os dois chafarizes em algumas publicações mais generalistas ou pela pena de autores menos escrupulosos e Castilho sentiu necessidade de esclarecer que o Chafariz dos Cavalos citado por Fernão Lopes, Damião de Góis e na Carta Régia de 2 de Maio de 1494 é aquele mesmo que hoje conhecemos por Chafariz de Dentro, nome que terá adquirido depois da construção da Muralha Fernandina.
Ora n’esse lanço isolado da muralha abria-se uma porta,
composta de dois arcos muito chegados um ao outro, segundo se
vê na estampa de Braunio, sob o n.º 72, e ahi designada pelo nome
de Porta do chafariz dos cavallos.
Tal designação, por mais de uma vez se tem prestado a confusões, pois um outro, com o mesmo nome, teve também a sua importância na história da cidade. Foi e continua a ser frequente a confusão entre os dois chafarizes em algumas publicações mais generalistas ou pela pena de autores menos escrupulosos e Castilho sentiu necessidade de esclarecer que o Chafariz dos Cavalos citado por Fernão Lopes, Damião de Góis e na Carta Régia de 2 de Maio de 1494 é aquele mesmo que hoje conhecemos por Chafariz de Dentro, nome que terá adquirido depois da construção da Muralha Fernandina.
Ora n’esse lanço isolado da muralha abria-se uma porta,
composta de dois arcos muito chegados um ao outro, segundo se
vê na estampa de Braunio, sob o n.º 72, e ahi designada pelo nome
de Porta do chafariz dos cavallos.
Os dois títulos, quanto a mim,
assignalam o mesmo chafariz. Provas? Ellas aqui vão:
1.ª – Na estampa acabada de citar, essa porta, collocada
mesmo em frente do chafariz, o qual lá se vê muito bem com os
seus tanques, chama-se, como disse, do chafariz dos Cavallos,
ficando elle no sitio exacto do nosso chafariz de Dentro.
2.ª – Ha uma carta d’el-Rei D. João II ao Senado da Câmara
de Lisboa, em 9 de Maiode 1944, datada de Almeirim, em que,
insistindo o Soberano para se fazerem certos arranjos, e
modificações, no chafariz dos Cavallos, assegura que o sitio não
ficará pejado com os novos tanques que ele projecta, para
lavagem e aguada, «e fica rrua asaz, e limpa, pª seruidam e
prosiçam da festa dos pescadores».
Essa procissão era a dos pescadores de Alfama, tão
encarecida por Frei Nicolau de Oliveira, procissão que sahia de
Santo Esp’rito de Alfama, ermida que, segundo acima notei, lá
esta no principio da rua dos Remédios, bem próxima ao mesquinho
largo onde fica o nosso chafariz de Dentro.
3.ª – Quando o autor das Grandezas de Lisboa descreve os
varios montes da Cidade, diz que o Monte de S. Vicente desce
«pelo Salvador a baixo, e vae fenecer no chafariz dos Cavallos;
fenece exactamente no chafariz de Dentro.
Querem marcação mais clara?assignalam o mesmo chafariz. Provas? Ellas aqui vão:
1.ª – Na estampa acabada de citar, essa porta, collocada
mesmo em frente do chafariz, o qual lá se vê muito bem com os
seus tanques, chama-se, como disse, do chafariz dos Cavallos,
ficando elle no sitio exacto do nosso chafariz de Dentro.
2.ª – Ha uma carta d’el-Rei D. João II ao Senado da Câmara
de Lisboa, em 9 de Maiode 1944, datada de Almeirim, em que,
insistindo o Soberano para se fazerem certos arranjos, e
modificações, no chafariz dos Cavallos, assegura que o sitio não
ficará pejado com os novos tanques que ele projecta, para
lavagem e aguada, «e fica rrua asaz, e limpa, pª seruidam e
prosiçam da festa dos pescadores».
Essa procissão era a dos pescadores de Alfama, tão
encarecida por Frei Nicolau de Oliveira, procissão que sahia de
Santo Esp’rito de Alfama, ermida que, segundo acima notei, lá
esta no principio da rua dos Remédios, bem próxima ao mesquinho
largo onde fica o nosso chafariz de Dentro.
3.ª – Quando o autor das Grandezas de Lisboa descreve os
varios montes da Cidade, diz que o Monte de S. Vicente desce
«pelo Salvador a baixo, e vae fenecer no chafariz dos Cavallos;
fenece exactamente no chafariz de Dentro.
A mudança de designação, obviamente, apenas terá acontecido após a construção da já referida muralha351 e, mais provavelmente, após a edificação do chafariz da Aguada, de lado de fora da dita que, por contraponto, era também por conhecido por Chafariz de Fora. Para Castilho: «Quando o povo começasse a dizer chafariz de Dentro, em vez de chafariz dos Cavallos, não é fácil fixar; essas mudanças vão tão subtis, que não há modo de achar o ponto de transição.»
Se não restam dúvidas que a actual designação do chafariz resulta de razão objectiva e que não admite grandes especulações, a sua anterior denominação de Chafariz dos Cavalos é ainda objecto de alguma polémica. Alguns defendem que este Chafariz dos Cavalos era assim designado, porque teria um tanque onde matariam a sede cavalos, muares e outras bestas. Porém, outros argumentam que era assim chamado em resultado de a sua água jorrar de bicas em forma de cabeça de cavalo.
A existência destas bicas é testemunhada, entre outros, por Damião de Góis, para quem, «(…) para os lados da Porta da Cruz, emerge uma outra fonte, ou, para melhor dizer, um tanque chamado [Chafariz] dos Cavalos, isto porque tem umas esculturas de cavalos cujos focinhos de bronze deitam jorros de água, formando, ao sair do tanque, uma espécie de riachos.» Estes cavalos com focinho de bronze seriam certamente os mesmos que, segundo Fernão Lopes354, os castelhanos às ordens de Henrique II, de Castela, em 1373, terminado o cerco à cidade de Lisboa, quiseram levar como troféu, o que só não conseguiram porque, astutamente, os lisboetas, precavendo a situação, as haviam retirado. Também dois viajantes venezianos, citados por Castilho, escreveram sobre o chafariz e os seus cavalos. Diz-nos Castilho:
E os viajantes venezianos Tron e Lippomani dizem em dias ’elRei D. Sebastião, seguindo Goes servilmente:
Para o lado da porta que chamam da Cruz ha outra fonte, ou antes lago, que denominam dos Cavallos, porque da bocca de alguns cavallos de metal sae tanta agua, que forma uma corrente a modo de ribeiro»
Poderia então considerar-se como definitivo terem sido essas famosas e épicas bicas a razão deste ser chamado Chafariz dos Cavalos. Porém, e todos os outros também conhecidos pela mesma denominação, que não tinham bicas com esse formato Aceitamos como válidas ambas as proposições, no que aliás não diferimos de Eduardo
Freire de Oliveira que salomonicamente afirmava:
É possivel que no chafariz de Dentro primitivamente existissem os cavallos d’arame a que Fernão Lopes e Duarte Nunes alludem, e que fôsse esta a causa de lhe chamarem chafariz dos Cavallos; mas póde muito bem succeder que nada d’isto assim fosse, e que a denominação de chafariz dos Cavallos dada quer a um quer a outro dos referidos chafarizes, proviesse d’estes terem tanques destinados para o gado beber agua. É talvez o mais provável.
Quando foi construído este chafariz, ninguém pode afirmá-lo. As referências mais antigas datam, de acordo com Augusto Vieira da Silva, ao remotíssimo ano de 1285.
Contudo, talvez o documento mais conhecido que se refere ao Chafariz de Dentro seja a Carta Régia de 2 de Maio de 1494. Este interessante texto é bem elucidativo quanto às preocupações do soberano (D. João II) com as pequenas obras que, criteriosamente, levadas a cabo muito poderiam melhorar as condições de vida dos seus súbditos. Vejamos então o conteúdo da referida carta:
Equamto ao que per a outra carta dizees e apomtaes os
imcomveniemtes, que se podem seguir, acerca do que leixamos
hordenado que se fezese no chafariz do caualos e no lauatorio das
molheres, a nos pareçe todo o contrairo, por que nos o vimos muy
bem pr nos, e com ofiçiaes e pesoas que o bem emtemdiam,
achamos que tudo se podia muy bem fazer, feito he cousa muy
proueytosa aa çidade e moradores della; pr que, segundo a
pimtura que dello fezemos, e o que falamos com pero vaaz, que de
tudo ficou muy bem emformado, acharees que, fazemdose asy a
rrepartiçam da augua pr as bicas, que hordenamos que se façam,
homde aguora se toma em as que estam trabalhosamente, podese
tomar nas outras bicas per moças muy pequenas, muy sem
trabalho. E mais, nos chafarizes pequenos, que se ham de fazer,
em que ha de cair a augua das ditas bicas, sempre ham destar
cheos, e quem nom quiser a augua tam limpa, asy como açacaaos
(aguadeiros) e outros semelhantes, podem neeles emcher seus
camtaros a seu prazer, E as bestas tem asaz chafariz em que
bebam; e asy pode virr ao chafariz em que lauam, e fica rrua asaz
e limpa pª seruidam da prosiçam da festa dos pescadores. E asy
comcludimos que nos parece que por estes rrespeitos e outros
muitos, q aquy sam escusados dapomtar, que esta obra sse deue
fazer como esta devisada, sallvo se vos outros quiserdes obrar do
custume que sempre teueram os offiçiaes desa cidade, que, como
allguem qr fazer allguua bemfeytoria, loguo a embarguavam, e vos
asy ho podees fazer. E pr q apomtaes que nam há hy drrº das
rrendas da cidade pª a despesa desta obra, Ruy lobo tem çem mill
Rs, de cabos de comtas, com esta obra e outras mais se pode fazer,
e certo nos Reçeberiamos comtemtameto e vos agradeçeryamos de,
com toda a deligemçia, esta cousa se fazer sem delongua.»
Continua…
In Memorias das Aguas de Alfama de Carlos Manuel Barros Martins Beirão de Oliveira