Alfama

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Nobreza e Família – Títulos em Alfama

Alfama tem algo muito pessoal e único na cidade de Lisboa. Existe como que uma sociedade “estranha” numa grande cidade como a capital do País.
Em primeiro lugar, existe um certo “título” que as pessoas mais conhecidas do bairro passam a ter. Esse título é individual, pessoal e hereditário. Como se fosse um titulo nobiliárquico que os outros a tratam.
Por exemplo: Existiu um senhor em Alfama chamado José e que tinha como profissão a venda ambulante. Em certa altura da vida vendia gravatas e por isso e por ser muito conhecido no bairro passou a ser o “Zé das Gravatas”. Mas não foi só uma alcunha. Pois hoje esse senhor já faleceu e o titulo do é das Gravatas já passou para o filho e para o neto (que nunca venderam gravatas, nem se chamam José).
Assim, o titulo deixa de ser uma alcunha e passa a ser um título, hereditário. Tal situação é ipis verbis para outros nomes conhecidos de Alfama como os Pipis, os Bexigas, os Casas Novas, os do Barracão, os do Castanheiros, etc…
Em segundo lugar, e tendo consciência que quando se entra em Alfama não entramos num bairro mas, como dizia o poeta “numa casa sem janelas”, existe outra particularidade.
Todas as pessoas do bairro sabe a vida uma das outras. Todos fazemos parte da mesma família, para o bem e para o mal.
Tal situação não que dizer que todos nos damos bem. É como nas famílias. Todos temos parentes que não falamos, outros que gostamos muito, que somos amigos.
Assim se passa em Alfama.
Ao lado do estabelecimento dos meus pais, existia outros dois – Um Talho e uma Peixaria. O talho do Ti’António e a peixaria da T’Isaura. Era um titulo que se atribuía às pessoas que eram mais do que amigos. Eram “familiares”. Não do ponto de vista do sangue, mas pelo respeito e amizade que por ele nutríamos.
Eram, e uma ainda viva, é alguém que tenho muita estima, respeito e amizade.
Esses títulos familiares são usuais em Alfama. Quantas crianças não tratam por avós, vizinhos. Por Tio e Tia, amigos.
Se calhar decidiu-se quebrar a regra de que a família nos dão e que os amigos nós escolhemos.
Em Alfama, decidimos escolher a família.

Conto: Paixão

A notícia caiu que nem uma tempestade num dia de verão.
O Zé Carlos estava no hospital. Estava em coma. Fora atropelado. Conhecia-o desde pequeno. Não é que agora, com 16 anos, fosse muito grande, mas já me considerava um adulto.
- Mãe, vá perguntar à avó do Zé como ele está?
- Eu pergunto quando ela descer à rua.
A avó do Zé Carlos, a D. Manuela, vivia dois andares por cima do negócio dos meus país. Eu conhecia-a, mas tinha vergonha de subir as escadas para perguntar como estava o meu amigo.
Após perguntar, durante alguns dias, como estava o Zé a minha mãe disse-me:
- Sobe e pergunta. O amigo é teu – Não valeu dizer mais nada. Ela era uma mulher decidida. Fui obrigado a subir para ir perguntar como estava o Zé.
O Zé não era um rapaz de Alfama, vinha para o Bairro quando estava de férias. A casa da avó era a morada de grande parte de muitos rapazes de Alfama. Os pais tinham e têm apenas um mês de férias e os filhos tinham três meses. Assim, dois terços das férias eram passados na casa dos avós. Grande parte dos meus amigos, nessa altura, imigrantes em Alfama. Crianças que quando cresceram não precisaram de voltar ao Bairro e afastámo-nos para sempre.
Toquei à campainha. Uma voz no interior disse:
- Eu vou lá.
A porta abriu. Um anjo abriu a porta. Um anjo de pele morena, cabelo comprido, liso, castanho-escuro, com calções azuis, curtinhos, camisa amarela, com dois limões estampados, um inteiro e outro cortado ao meio.
Aqueles dois olhos castanhos fitaram-me.
- Olá, como estás? – Não sei como, conhecia-me.
- Bem – respondi.
- Viste saber do Zé Carlos? – Ela conseguia ler o meu pensamento. Não o imediato, pois este estava deslumbrado por tamanha beleza e não conseguia pensar. Mas conseguia saber o que fui fazer ali.
- Entra e senta-te.
Mais rápido que o pensamento, sentei-me e comecei a falar com aquele anjo.
- Carla, quem é? – perguntou a D. Manuela.
- É o Helder. Veio perguntar sobre o Zé. – Ela sabia o meu nome. Aquela anjo sabia o meu nome.
D. Manuela veio da cozinha e pergunta-me:
- Então Helder tudo bem?
- Sim. – respondi sem tirar os olhos daquela beleza que me tinha aberto a porta.
- Vieste saber do Zé?
Qual Zé? - Foi o meu pensamento inicial, mas logo cai na realidade.
- O Zé está melhor? – Perguntei.
- Sim. Ele já saiu do coma e para a semana vem para casa.
A partir desse dia fui perguntar como estava o Zé todos os dias, para poder voltar a falar com aquele anjo.
Nesse dia quando desci as escadas todo o meu corpo sorria. Estava feliz, mas não pela recuperação do meu amigo. Estava apaixonado.

Continua…

Qualquer relação entre esta história e a realidade não é pura coincidência…

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