Alfama

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Antiga cerca Moura ou romana

"Lisboa romana, Lisboa moura, Lisboa dos cruzados: o desenho da cidade fez-se entre muros e depois galgou-os, digeriu-os, apagou-os. Procurar, estudar e iluminar o que resta é o projecto do Museu da Cidade.
Numa rua do bairro da Sé, as picaretas abrem o que parece uma vala. Telefone? Gás? Cabo? À volta, uma cerca de metal isola o trabalho. Um cartaz explica: é de "Estudo e Valorização da Cerca Velha de Lisboa" que se trata. A cerca velha (em oposição à cerca nova, a muralha mandada construir em 1373 pelo rei D. Fernando para suster as invasões castelhanas e que ganhou o cognome de "fernandina), passa algures por aqui, não se sabe exactamente onde.
A sondagem não resulta: fecha-se o buraco e recomeça-se mais abaixo, no largo de Santo António da Sé, onde, crê-se, estará situada a "porta de ferro", a entrada principal da cidade moura. Um buraco, dois, e nada. "Estamos a tentar perceber onde ela está. Andamos mais para oeste ou para este, à procura." A arqueóloga Manuela Leitão, 47 anos, coordenadora do projecto, tem uma explicação para a dificuldade: "Esta zona sofreu obras de reestruturação urbanística depois do terramoto de 1755. Limparam muita coisa e as cotas das ruas foram rebaixadas." Pode ser até que nada se encontre e que o traçado da muralha permaneça estimado, como na obra de referência do olisipógrafo Vieira da Silva (que nos finais do século XIX desenhou o traçado com base em estudos documentais), numa curva que prossegue a linha recta da Rua da Padaria e sobe na direcção do castelo, talvez sob os jardins suspensos que fazem das traseiras da Rua de São Mamede ao Caldas uma das maravilhas invisíveis de Lisboa. Mais um sortilégio escondido, então, o desta muralha que na sua zona oriental é visível em vários troços - aquilo que Manuela chama "panos". "Com o tempo a muralha foi 'engolida' pelo crescimento da cidade. Há uma série de edifícios que a usaram como mais uma parede, as torres foram sendo ocupadas. Mesmo quando não se consegue ver ela continua perceptível pelo alinhamento das ruas, das fachadas dos prédios." Também as escavações da parte oriental da muralha têm tido mais sucesso: a parte da cidade que lhe corresponde mantém as mesmas características há muito e os solos não sofreram aquilo a que a arqueóloga dá o nome de "desmobilização de terras", estando preservados todos os níveis ou estratos antigos: "Os níveis mais antigos que encontrámos pertencem à Idade do Ferro, século VI antes de Cristo."
Viabilizado financeiramente em 2008 através de uma parceria com o Instituto do Turismo, este projecto, no qual concorrem "dezenas de pessoas", incluindo, além dos investigadores - arqueólogos, geólogos, historiadores e antropólogos - desde cavadores a polícias, passando por bombeiros, existia como ideia no Museu da Cidade desde o final dos anos 90, como forma de recuperar a memória e a presença de um monumento que, afirma Manuela Leitão, "estava esquecido". A ideia é localizar e assinalar com o máximo de certeza possível as portas e alinhamentos dos cerca de dois quilómetros da muralha medieval, restaurar os panos expostos e proceder à sua iluminação monumental, assim como estabelecer percursos pedonais com sinalização ao longo da muralha. "A última fase do projecto será a instalação de um centro interpretativo sobre a muralha de Lisboa, que terá como objectivo principal o dar a entender a muralha inserida nas várias cidades onde esteve." Várias muralhas, várias cidades: se o nome dado à cerca medieval é "velha", não se trata afinal da mais idosa. Há vestígios de uma muralha do século I e de outra construída mais tarde, no século III/IV, ambas pelos romanos e cujo traçado terá sido, crê-se, aproveitado em parte pelo muro medieval - primeiro islâmico e depois cristão - que se lhe seguiu. É dentro desse mistério, o de saber a que ponto as muralhas romana e medieval se sobrepõem, que Vítor Filipe, 35 anos, passa os dias, no rés-do-chão da Casa dos Bicos. "Estamos a tentar perceber coisas que as escavações mais antigas não esclareceram. Encontrámos algumas estruturas que não eram conhecidas e estamos a tentar interpretá-las." O trabalho, de paciência - "A arqueologia às vezes é um pouco chata, não corresponde à ideia romântica que as pessoas têm e a parte mais interessante, a da descoberta, acaba por ser reduzida" -, e muito complexo, explica o arqueólogo, pela segmentação que torna mais difícil compreender a articulação das estruturas encontradas e pela presença da água, que não só dificulta a visão como mistura os níveis. "Temos todas as sondagens ao nível freático, algumas com mais de dois metros de profundidade. Às vezes é um pouco frustrante, mas também é aliciante por ser tão complexo." Até ao final de Agosto, altura em que está calendarizado o final da intervenção na Casa dos Bicos, Vítor espera satisfazer duas grandes curiosidades: "Uma é a da cronologia da construção da muralha romana tardia (que já encontrámos) e se a cerca fundacional romana passa ali. Outra é de quando é a construção da fábrica romana de salga de peixe cujos tanques se encontraram. Sabemos que a muralha fundacional romana tem dois metros de espessura e que a muralha a seguir, do séc III, tem três. Está lá uma muralha com um metro de espessura, mais antiga que essa, mas não sabemos se é a fundacional ou outra, por exemplo da fábrica."
Vítor Filipe, que não faz parte dos quadros do Museu da Cidade, entrou no projecto em Dezembro, tendo começado pela escavação da rua São João da Praça (junto à Sé de Lisboa), onde foi descoberto um pano da muralha durante as obras de um restaurante, o Páteo de Alfama (em todas as obras que envolvam "remexer terras" na zona classificada tem de haver escavações arqueológicas antes), que o integrou no seu espaço. Aliás, o acolhimento dos habitantes e comerciantes da zona de incidência ao projecto tem sido, diz Manuela Leitão, de bastante interesse. "Por exemplo: há um snack bar que se chamava Arco Íris e mudou de nome, para 'Porta de Alfama', porque uma das portas da muralha era naquela zona; vêm-nos perguntar quando fazemos uma exposição para mostrar o que encontrámos, comen- tam 'Ai que giro'. É bom que as pessoas tenham esse entendimento, porque o património é de todos."
O património como casa de família e morada, como um lugar em que se caminha em camadas de tempo e sentido, aprendendo a ver. É o caso do historiador Miguel Gomes Martins, 45 anos, da divisão de arquivos da Câmara Municipal de Lisboa. "Comecei a tomar mais um pouco de atenção aos locais onde ponho os pés e a olhar um pouco mais para as paredes em vez de só olhar para cima à procura das torres." Há três meses no projecto da cerca velha, este medievalista, cujo trabalho é o completar, informar ou contrapor, através da pesquisa documental, as descobertas arqueológicas, já teve algumas surpresas: "Foram achadas barbacãs - que são uma espécie de pré-muralhas, uma primeira cintura de muralhas, erguidas em locais considerados mais sensíveis -, uma a leste do perímetro e outra no local onde, de acordo com os documentos, se julgava estar."
Os documentos em causa são sobretudo descrições - de geógrafos muçulmanos, nomeadamente - e registos (de transações e alugueres de casas), assim como alguma iconografia, já que a primeira planta cartográfica de Lisboa digna desse nome é de 1650. Quanto à descoberta na cidade material, é sobretudo "um jogo de puzzle mental". Ver a cidade medieval na Lisboa de hoje: "Um emaranhado de casas, algumas de cinco pisos, ruas apertadas e sinuosas, pisos poeirentos no Verão e enlameados no Inverno (as vias empedradas em Lisboa são bastante tardias), com palácios, muitas igrejas, alguns edifícios conventuais que se destacavam pela dimensão, com montes de lixo sobretudo junto às portas da cidade..." Uma cidade sem esgotos onde os dejectos eram lançados na rua (apesar de haver ordens em contrário) e onde a maioria das pessoas não teriam como prioridade tomar banho (apesar das estruturas criadas pelos mouros para as abluções diárias em Alfama, cujo nome virá exactamente de "nascente") - mesmo se, leal à sua paixão por uma época sempre associada à sujidade (no sentido material e espiritual), o historiador tenta desmistificar "a ideia de que durante uns séculos ninguém tomou banho". Uma cidade de cuja muralha velha escolhe um troço desaparecido: "O meu favorito é o da torre da Escrevaninha, que se situaria no quarteirão onde está hoje a igreja da da Conceição Velha (na rua da Alfândega). É o local onde uma das torres dos cruzados adossou à muralha, facto que foi decisivo para a rendição muçulmana." À falta dessa, escolhe ser fotografado noutro lugar de "combates intensos em 1147": a porta de ferro, no largo de Santo António da Sé, a tal que ainda não se descobriu. Só um pouco de imaginação, então: uma muralha, uma porta enorme revestida a ferro e os gritos e sons da batalha entre os cruzados invasores e os sitiados muçulmanos. E nós, resultado disso."

In Diário de Notícias

Porta de água


João Luis Carrilho da Graça venceu o concurso público internacional e impôs o seu projecto a nomes de grande prestígio na arquitectura mundial como Zaha Hadid ou Aires Mateusprojectos: Terminal de cruzeiros.
Lisboa vai ter um Terminal de Cruzeiros com projecto de João Luis Carrilho da Graça, que venceu o concurso público internacional e impôs o seu projecto a nomes como Zaha Hadid ou Aires Mateus.
Situado na zona de Santa Apolónia, o projecto de Carrilho da Graça procura ser um mediador entre a cidade e o rio. Ou, conforme o próprio explica no texto-síntese do projecto, "a criação do novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa oferece uma oportunidade rara de repensar e questionar a relação vivencial e urbana entre a cidade de Lisboa e o rio Tejo, alvo de inúmeras propostas ao longo dos séculos, uma consequência da importância desta relação na caracterização e desenvolvimento de uma cidade que assume a sua vocação portuária natural"
No seguimento deste pensamento, o arquitecto dá igual importância ao edifício construído - que alberga o programa do terminal de navios - e aos espaços exteriores adjacentes. E propõe um edifício volumetricamente compacto , que liberta o espaço envolvente, "reclamando-o para o uso público, oferecendo à cidade e aos bairros adjacentes um espaço verde de referência, com capacidade de comportar diferentes actividades", explica. Esta solução de transição entre as vivências do rio, edificado e parque apresenta ainda valências do ponto de vista urbano e paisagístico, explicadas por Carrilho da Graça : "A escala contida do edifício aproxima-o da escala urbana, enquanto o espaço libertado garante a distância necessária para contemplação da encosta de Alfama, marcada pelo skyline do Mosteiro de São Vicente de Fora e do Panteão Nacional, que se conforma como um anfiteatro em torno do porto."
Aparentando uma jangada e assumindo-se como uma nova porta da cidade, "o edifício preconiza uma solução simples e compacta, com grande racionalização dos meios e sistemas utilizados, aliada a um uso do espaço flexível". Qual pavilhão multiusos, o edifício responde exemplarmente às necessidades dos navios e mareantes, albergando espaços de check in, espera, cafetarias e lojas . Mas também propõe novos usos em complemento à sazonalidade da ocupação do terminal - com maior pressão nos meses quentes -, como espaços expositivos, destinados a eventos como ciclos de moda e cinema , feiras e mercados.
Esta versatilidade é acentuada pelos espaços imaginados por Carrilho da Graça: no interior, domina um grande hall de entrada, assumidamente cénico graças ao pé-direito duplo e lanternim oval. No exterior, a pele construída é dominada por um percurso/promenade que envolve o edifício, permitindo a descoberta lenta da envolvente - enquanto se percorrem os vários alçados - e que culmina na cobertura do edifício, "que ganha características de palco, relacionando-se com o rio sem qualquer tipo de obstáculos, como uma praça elevada".
Mais perto da cidade, o parque urbano/verde evoca os boulevards que ao longo dos tempos foram propostos para Lisboa, como aconteceu nos séculos XVIII, XIX e XX pelas mãos de Carlos Mardel e Thomé de Gamond, entre outros. Do ponto de vista formal, este espaço "organiza-se como um eco da doca, definido por elementos que se dispõem paralelamente aos seus limites longitudinais, como as longas fileiras de árvores ou passeios".
Entre a cidade e o rio, e permeável a ambos, o futuro Terminal de Cruzeiros será um ponto notável na cidade e marca o regresso de Lisboa à sua vocação marítima. Através da arquitectura de Carrilho da Graça, "a relação visual rio/cidade ganha tanta importância como a da cidade/rio, encontrando-se o parque e o edifício na transição, coexistindo e potenciando-se mutuamente".
O arquitecto Carrilho da Graça ganhou o concurso para projectar o novo terminal de cruzeiros de Santa Apolónia, lançado em Março pela Administração do Porto de Lisboa (APL). O júri, que avaliou os 37 trabalhos concorrentes, foi unânime ao considerar que a proposta de Carrilho da Graça se traduz "num claro benefício" para a cidade e para o seu porto. O projecto do autor de alguns edifícios emblemáticos da capital - como o Pavilhão do Conhecimento dos Mares, na antiga Expo "98, ou a recente Escola Superior de Música - convenceu o júri por incluir um "edifício relativamente pequeno, com uma volumetria delicada", sublinhou o grupo de avaliadores composto pelo arquitecto catalão Juan Busquets e o arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, entre outros. Ao PÚBLICO, Carrilho da Graça explicou que a ideia-base do projecto foi "partir da intervenção que a APL quer fazer na zona e criar espaços que possam ser desfrutados pela cidade, independentemente de haver cruzeiros ou não". A dimensão prevista permite minimizar o impacte visual do terminal, um assunto que tanta polémica suscitou no passado junto dos moradores do bairro de Alfama. Estes temiam perder a vista sobre o Tejo, caso avançasse o anterior projecto da APL. O júri apreciou também a cobertura visitável do terminal, o que converte o edifício numa "nova topografia da cidade, entre a colina de Alfama e o Tejo", salienta a APL, no comunicado em que anuncia o vencedor. Outra preocupação do arquitecto foi tornar o espaço polifuncional. "Nos períodos com menos paquetes, a zona pode ser utilizada com outros objectivos, como concertos ou exposições", explica. Além de um grande parque verde urbano, que preenche a área envolvente, eestacionamento (para cerca de 80 autocarros), a proposta vencedorainclui um anfiteatro exterior com vista para o rio e para a cidade. O terminal de cruzeiros vai juntar-se à lista de obras emblemáticas deste arquitecto, que tem no currículo ainda a Escola Superior de Comunicação Social e a extensão do Palácio de Belém.
A primeira fase do projecto deverá estar concluída em 2013. Terá uma área total de 7790 metros quadrados, envolve um investimento superior a 25 milhões de euros, pagos pela APL, que promoveu o concurso em parceria com a Câmara de Lisboa e a Ordem dos Arquitectos.
Além do projecto de Carrilho da Graça, o júri destacou, pela qualidade, mais quatro projectos. Receberam menção os gabinetes de Aires Mateus Arquitectos, Guillermo Vazquez Consuegra, ARX Portugal Arquitectos e Zaha Hadid Limited.
 
In Publico
 
Comentário de Blogger:
Apesar de parecer bem melhor que a anterior proposta. Pelo menos espero que fique como aparece e que o jardins sejam para todos os cidadão e não apenas para os turistas.
Mas esperemos que seja apresentado o plano à população para podermos ver, discutir e se for bom para a cidade e Alfama, aprovar.

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